Um "autêntico paraíso" à venda: aldeia procura comprador (e telefone da junta não para)

Aldeia em Silgueiros, no concelho de Viseu, está à venda por 1,7 milhões de euros. No passado, chegou a ter 150 habitantes, atualmente está ao abandono.
Mariana Rebelo Silva
Mariana Rebelo Silva Jornalista
Fábio Ruela Marques
Fábio Ruela Marques Jornalista
02 dez. 2025, 08:00

Quando chegamos a Póvoa Dão, em Silgueiros, Viseu, percebemos rapidamente o anúncio da leiloeira Leilosoc Wordlwide: uma “oportunidade rara no mercado imobiliário português”. É desta forma que a leiloeira anuncia a venda da aldeia por 1,7 milhões de euros. Localizada na região do Dão, conhecida pelos vinhos e pelas paisagens de montanha, a aldeia chegou a ter 150 habitantes, mas atualmente está ao abandono.  

Nas ruas de Póvoa Dão, as hortênsias ao redor das casas estão secas. O silêncio das montanhas impera, mas, com atenção, ouve-se a água do rio a correr. A história desta aldeia remonta ao século XIII. Terá sido um ponto importante para o comércio da região, mas, nos anos 60, começou a perder habitantes. Em 1995, foi vendida ao Grupo Catarino, da área da construção, por 80 mil contos. Naquela altura, viviam na aldeia apenas quatro idosos. Algumas casas foram reabilitadas, foram construídos equipamentos de lazer e um restaurante conhecido pelas delícias da Beira. Ainda hoje há uma placa à porta do restaurante onde se lê “Encerrados para remodelação a partir de 6 de setembro”.  
 
O projeto de requalificação da aldeia foi concluído em 2004 e 20 casas foram compradas por famílias portuguesas de várias partes do país. Mas em 2015 tudo voltou ao abandono, com as dificuldades financeiras da construtora que investiu na localidade.   
 
Agora, há 36 casas a leilão, 16 totalmente recuperadas e 20 em ruínas. A capela de Santo Amaro, padroeiro dos males dos ossos, permanece erguida, assim como o restaurante, o campo de ténis, com duas balizas, e as duas piscinas, ainda que uma delas esteja agora toda coberta de ervas. Fora do leilão estão as casas entretanto compradas por particulares, que serão "dezasseis".  

 

 


Já há interessados a contactarem a Junta de Freguesia  


Depois de ter sido divulgado que a aldeia de Póvoa Dão estava em leilão, foram muitos os interessados e curiosos a contactarem a Junta de Freguesia de Silgueiros. “Já ligaram para aqui a perguntar como é que conseguiriam adquirir uma casa”, revela o presidente da junta, Rui Mendes, esperançoso, ao Conta Lá. 
 
“O mais importante era que aparecesse alguém que conseguisse reabilitar e revitalizar a aldeia e devolver-lhe a vida e o turismo de outros tempos. Isso é que era mesmo importante”, confessa Rui Mendes.   
 
O autarca recorda Póvoa Dão como um local de interesse e um ponto de referência na freguesia, que atraía muitos turistas.  “As casas eram acolhedoras, o restaurante era fantástico, era uma aldeia com vida, um autêntico paraíso”, lembra.   
 

Estrangeiros são os que mais procuram a aldeia  


Atualmente, há 13 casas de segunda habitação e três alojamentos locais a funcionar na Póvoa Dão. João Oliveira é proprietário da Casa Largo Santo Amaro, número 1. Natural de Pindelo de Silgueiros, está emigrado na Alemanha há 50 anos, mas garante que conhece a história da aldeia como ninguém.  
 
“Sou um apaixonado pela Póvoa Dão desde criança”, confessa João Oliveira, que conheceu a aldeia pela mão do avô. Ao Conta Lá, recorda que iam às festas de Santo Amaro, padroeiro da aldeia, todos os anos, no dia 15 de janeiro.  “Para lá chegarmos tínhamos de atravessar o rio, por cima de umas pedras”, lembra.  
 
Mais tarde, em 1998, já emigrado, decidiu adquirir uma casa. As férias em Portugal eram passadas ali, com os filhos. Quase trinta anos depois, ainda tem na memória os pratos que faziam as delícias da família: naco de vitela na telha com migas e o cabrito assado no forno comunitário.   
 
Apesar de a aldeia estar quase abandonada, João Oliveira revela que o alojamento local tem muita procura. Desde maio até finais de setembro esteve quase sempre cheio e mais de 50 por cento dos hóspedes são estrangeiros.  
 
“Vem gente de todo o lado desde canadianos, chineses, americanos, ingleses, alemães e há um casal de holandeses que vem todos os anos em setembro”, conta. Os portugueses também procuram a aldeia para relaxar e vêm, sobretudo, de Lisboa e do Porto.   
 
Apesar de abandonada, Póvoa Dão está repleta de memórias. Gilberto Santos, de 77 anos, nasceu na aldeia e por lá ficou até aos 24 anos. Depois de casar, foi viver com a mulher para Mosteiro de Silgueiros, mas ainda hoje guarda as recordações de uma casa feliz e cheia. Eram 10 pessoas: os pais e os sete irmãos.   
 
“A aldeia, naquela altura, tinha 30 famílias e cada uma tinha sete ou oito filhos. Não tínhamos eletricidade, nem estradas e o rádio funcionava a pilhas”, recorda.  
 
À época ninguém pagava renda de casa, mas apenas uma pequena quantia pelos terrenos que se cultivavam. Viviam todos à beira do rio Dão e eram felizes. “Há sempre amor à terra onde nascemos”, diz-nos Gilberto Santos, que ainda visita a aldeia várias vezes.