Projeto ATOS: a missão de levar a cultura a todo o país

O Teatro Nacional D. Maria II e a Fundação Calouste Gulbenkian voltam a cruzar o país para levar projetos culturais a zonas fora dos grandes centros. Com 25 microprojetos, o programa reinventa a criação local e coloca a comunidade no centro da arte.
Rui Mendes Morais
Rui Mendes Morais Jornalista
20 nov. 2025, 11:04

Projeto ATOS
Fotografia: Projeto "ATOS", uma iniciativa do Teatro D. Maria II e da Fundação Calouste Gulbenkian

O projeto ATOS, que conta já com três edições, bate à porta de várias localidades portuguesas. Nasceu para inverter a bússola cultural e fazer da própria comunidade arte. Este ano, o programa criado pelo Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II) e a Fundação Calouste Gulbenkian, financia 25 microprojetos em sete zonas de Portugal Continental e dos Arquipélagos, acentuando a descentralização da cultura. 

Com presença em Lamego, S. João da Madeira, Lisboa, Évora, Loulé, Funchal e Ponta Delgada, o projeto procura a participação da comunidade “na cultura dos seus lugares de diversas formas”, sublinha Luís Sousa Ferreira, um dos membros fundadores do projeto ATOS e adjunto da direção artística do TNDM II. Do cinema ao teatro, dos laboratórios à observação artística, o intuito é aproximar a cultura das regiões e “não apenas mostrar o que é feito na capital”, acrescenta. 

Pensado em 2023, o ATOS foi desenhado com a “missão nacional” de marcar a “democratização da cultura” e “ir além das digressões”, explica um dos fundadores, Luís Sousa Ferreira, ao Conta Lá. Um desenho que começou pela realização de 40 microprojetos “bem-sucedidos”, que foram essenciais para o pensamento das futuras edições. Este ano, o ponto de partida continua o mesmo, criar projetos participativos que deixem marcas nas regiões e que no futuro continuem a ser alimentados, de forma a desenhar “a cultura de um certo município”, o que só é possível através de parceiros locais, realça. 

Lamego: a procura pela “Casa do Cinema”

António Vouga e Diogo Fernandes, dupla "Canivete"


António Vouga e Diogo Fernandes, de 23 anos, criaram durante sete meses um microprojeto em Lamego, no distrito de Viseu, que reflete “a essência do ATOS”, descrevem os artistas. Os jovens não se conheciam até à Licenciatura em Ciências da Comunicação, com especialização em Cinema e Televisão, na Universidade NOVA de Lisboa. Encontraram, desde então , espaço para explorar e criar vários projetos que levaram ao nascimento do "Canivete", que dá nome à dupla artística. A aproximação de António Vouga a Lamego, de onde é natural, foi um dos motivos que levou ao desenvolvimento de uma iniciativa na cidade, com a intenção de “devolver um bocadinho àquela cidade que me deu tanto” e “fazer da comunidade cinema”, explica ao Conta Lá. 

Apoiados pelos mentores, Samuel e Magda, além de uma bolsa de 3.000 euros financiada pelos parceiros locais e as entidades criadoras do projeto, a dupla desenvolveu a “Casa do Cinema”, um microprojeto cinematográfico que pretende “unir uma área que tanto gostamos e explorar a presença do cinema na comunidade”, afirma Diogo Fernandes. Recorreram aos objetivos do projeto ATOS, aproximando-se dos lamecenses através de conversas na rua e nas próprias casas, encontrando o cinema até nas memórias mais distantes. 

O resultado foi, além de um filme, "um filme sobre a vida de quem os vê” a falar sobre cinema, acrescentam os artistas, relembrando o alicerce do microprojeto é “encontrarmos o cinema nas nossas casas”. Os jovens ouviram 13 pessoas, com idades entre os 4 e os 81 anos, com testemunhos diferentes, o que permitiu recolher várias maneiras de ver e sentir o cinema. Diogo Fernandes, que não pertencia à comunidade, não esquece o testemunho de um dos participantes no momento em que foi apresentado o filme produzido, que revelou que “nunca tinha partilhado aquelas memórias a ninguém”. “Foi a prova de que, falando sobre cinema, dá para falar sobre tudo”, conta o jovem. 

Funchal: A carta geográfica do Monte

Thomaz Moreira, de 22 anos, é um dos elementos do coletivo Quimera. Vive há sete anos na Região Autónoma da Madeira e decidiu levar o projeto ATOS à freguesia do Monte, no Funchal, com os sete elementos que compõem o grupo. Durante quatro meses aproximaram-se da população e procuraram a marca deixada na localidade que é “muito turística”.
 
O objetivo principal foi “construir a carta geográfica e identitária” do Monte através de atividades criativas, práticas e acessíveis, explorando novas formas de pensar e visualizar a freguesia para além do lado turístico. Foi um dos motivos que levou o coletivo, que se juntou há três anos na universidade, a explorar a cultura da freguesia.
 
Além disso, Thomaz Moreira revela que o facto de ser um “projeto participativo” chamou a atenção dos jovens porque “fazia muito sentido” e era algo que queriam “fazer desde sempre”.
 
Conheceram a história da região pelo olhar de quem reside no Monte e descobriram a arte das mãos “das senhoras da Casa do Povo” e dos “escoteiros” que mostraram a cultura enraizada através de atividades práticas, de observação e do convívio semanal, explica ao Conta Lá.
 
O resultado foi um pequeno livro, apresentado no `Dia da Folia´, 22 de novembro, que conta a história cultural da freguesia.

Estes são apenas alguns dos 25 microprojetos que o ATOS tem vindo a desenvolver este ano, com foco na paisagem, no património e nos processos ligados às pessoas, três áreas essenciais que permitem conectar as comunidades com a cultura.

Luís Sousa Ferreira, um dos membros fundadores do projeto, reforça que o ATOS e a passagem por várias regiões do país é o reflexo da luta por “um dos artigos da declaração dos direitos do Homem, em que cada pessoa deve ser livre de participar ativamente na cultura da sua comunidade”. Um gesto que na sua visão “nunca deve terminar”, porque fortalece a descentralização da cultura.