Da Ucrânia ao Irão, o espectáculo "Anoitecer" junta imigrantes em Viseu
Anna Chekhova veio de Kiev, na Ucrânia, Hassan Issad, da Argélia, Masoum Erfaniyan, do Irão e Mônica Verzignassi do Brasil. São todos imigrantes, em Portugal. Uns chegaram há três anos, outros há dois e um há pouco mais de um ano. Todos escolheram o distrito de Viseu para viver. Nenhum é ator profissional, mas subiram ao palco para apresentar “Anoitecer”, um “lugar-espetáculo” que cruza histórias reais, culturas e línguas com teatro e música, num encontro artístico entre profissionais e membros da comunidade migrante.
O texto, da autoria da holandesa Hanneke Paauwe, foi construído a partir de conversas com estas comunidades. “Pessoas de todo o mundo, de todos os continentes e de vários contextos sociais e económicos”, explica o encenador, Graeme Pulleyn, britânico, radicado em Viseu há 36 anos. O resultado final é uma autêntica “montanha-russa que nos faz olhar para tudo o que temos em comum”, sublinha, em declarações ao Conta Lá.
Para o encenador britânico, o objetivo é olhar para a imigração através das oportunidades e não apenas dos perigos. “Sentimos que o foco tem sido muito no perigo e nas problemáticas e tem-se falado pouco das oportunidades que estas novas dinâmicas nos trazem”, explica o diretor artístico da Cem Palcos.
Graeme Pulleyn explica que são vários os motivos que levaram estas pessoas a abandonarem os seus países de origem: desde o impacto das alterações climatéricas à pobreza extrema, passando pela instabilidade política, insegurança e violência.
“Temos o exemplo do Yayah, da Gâmbia, que saiu do país sozinho, com 12 anos, depois de ter sido escorraçado pela própria família e pela comunidade”, conta.
Mas nem todas as histórias de migrantes são tristes. Hassan, que chegou da Argélia há pouco mais de um ano, conta-nos que tinha uma vida “bastante confortável”. “Saímos da Argélia por falta de qualidade de vida. Queríamos oferecer um futuro melhor à nossa filha e esta foi a melhor escolha”, explica. A escolha recaiu em Viseu “pelo sossego, segurança” e pela forma como sente que as crianças são “bem-vindas”.
Participar em “Anoitecer” fez com que criasse “laços fortes” com “outras pessoas que têm histórias, sonhos e, algumas, feridas”, o que permitiu que agora se sinta “menos sozinho”.

Anna Chekhova aprende português na escola
Anna Chekhova tem 57 anos. Chegou da Ucrânia, há três anos, por causa da guerra, com o marido. Os amigos que já fizeram em Viseu são quase todos ucranianos, até porque trabalham, os dois, através de casa. A língua portuguesa tem sido aprendida na Escola Alves Martins. A maior dificuldade da integração ainda é a dor.
“Todos os ucranianos que fugiram da guerra estão traumatizados. Cada um de nós traz uma ferida profunda na alma pelas nossas perdas, pelo terror vivido, pela dor do que está a acontecer agora na nossa terra, com os nossos familiares e amigos que lá ficaram e essa dor interior constante dificulta a comunicação e a integração”, conta-nos Anna.
Masoum Erfaniyan chegou a Viseu, em 2022, vinda do Irão. Na mala trouxe “flores de chifre”, como símbolo das raízes. Foi desta forma que se apresentou em palco em “Anoitecer”.
“Depois desta experiência, senti que não estou sozinha. Conhecer outras histórias deu-me força, esperança e um sentido de comunidade”, confessa ao Conta Lá.

Já para Mônica Verzignassi, participar no espetáculo “Anoitecer” foi dar um rosto a todas as histórias de dificuldades de adaptação dos migrantes. “Os meus problemas tornaram-se pequenos”, confessa.

A música original de “Anoitecer” é assinada pela banda de Viseu Bela Noia, composta por quatro jovens músicos. “Trabalhamos a música a partir de todos os textos da Hanneke Paauwed e construímo-la, em conjunto, com o elenco”, explica Pedro Vieira, vocalista. A criação levou pouco mais de um mês.
“O espetáculo vive muito da música. Não há nenhuma cena que não seja musicada. O desafio foi transformar os textos em canções. Percebemos o impacto que estávamos a ter junto de cada um e de cada história. Isso torna o espetáculo e a música muito especial”, conclui Pedro Vieira.
O espetáculo tem a duração de 90 minutos e é composto por nove cenas “muito contrastantes”.
Depois da ante-estreia na ACERT, em Tondela, e das estreias em Viseu, a 22 e 23 de novembro, “Anoitecer” volta a subir ao palco no dia 7 de dezembro, no Centro Cultural de Águeda, a 17 de janeiro no Teatro Sá da Bandeira, em Santarém, e a 1 de março na Casa Cultural de Ílhavo.