Drogaria Moderna é a primeira Loja com História da Covilhã
Andou anos a fintar o legado. Até gostava de química na escola, mas vir trabalhar para o vetusto estabelecimento do pai estava longe das cogitações de João Paulo Pereira, agora com 57 anos. Não quis prosseguir os estudos. Preferia a despreocupação da vida. Quando Acácio lhe pôs “as cartas na mesa”, acabou por lhe seguir as pisadas na Drogaria Moderna, a primeira Loja com História da Covilhã, que completou 75 anos e recebeu a distinção este ano.
À resistência inicial, deu continuidade a um negócio em que se preocupou em preservar a essência, o acervo histórico e até recuperar móveis e chão original. O que no passado foi hesitação e obrigação, transformou-se em vontade e orgulho.
“Ter herdado este negócio, numa fase inicial significou uma ferramenta de trabalho. Eu não quis estudar e acabei por agarrar o negócio que o meu pai tinha criado. Foi uma forma de eu me fazer à vida”, comenta João Paulo Pereira, olhos azuis que a iluminação da loja potencia.
Está rodeado de prateleiras onde repousam produtos que caíram em desuso, como o restaurador Olex ou a pasta dentífrica Couto, “que agora já existe com flúor”; artigos “de charme”, como os sabonetes Ach Brito ou cosméticos Benamôr, mas também novas tendências a que está atento, de óleos essenciais a produtos para a barba ou a marcas locais inovadoras.
A Drogaria Moderna é um portal para o passado, mas também um lugar onde se acompanha o futuro.
O pai, antigo ajudante de farmácia, trabalhava com a venda a granel e fazia manipulados no laboratório onde seguia as receitas do livro de folhas amarelecidas que João Paulo tem exposto. A legislação e as regras com rotulagem mudaram o negócio.
Se durante anos a clientela foi mais envelhecida, nos últimos tempos a Drogaria Moderna viu entrar-lhe pela porta da Rua Rui Faleiro e pela loja digital uma clientela jovem, consciente, com preocupações ambientais ou que gosta de fazer os seus próprios produtos.
Compram desde matéria-prima para fazerem em casa as suas soluções de cosmética, detergentes, sabonetes, materiais de limpeza ou artigos com outras funções, e que aprendem a misturar na Internet. A venda avulsa voltou a ser opção.
Encomendas de todo o país
Enquanto muitas lojas tradicionais iam fechando, o covilhanense, há 27 anos na Drogaria Moderna, foi reinventando o negócio. Em 2012 criou a loja ‘online’. Com a pandemia, ganhou um grande impulso. As vendas da loja digital já representam metade da faturação e deixou de ter apenas clientes locais. A presença nas redes sociais é pensada para criar a sensação de prolongar o espaço físico e a sua essência. O proprietário utiliza os conhecimentos na área para fazer os próprios conteúdos.
“Apanhei o comboio do digital. Faço os vídeos e muita coisa para as redes sociais, para ser mais assertivo na comunicação. Tenho essa facilidade e é uma área de que gosto. O crescimento tem sido orgânico, sem investimento em publicidade, e tenho clientes de todo o país e gente mais jovem que vem aqui porque viu a loja ‘online’”, salienta João Paulo Pereira.
De avental posto, enquanto, no balcão, despacha as encomendas do Algarve a Guimarães, continua a receber clientes que procuram soluções para problemas e recomendações. Outros que lhe abrem novas perspetivas e com quem aprende utilizações inusitadas. Há também estudantes universitários que procuram produtos muito específicos, a pensar em testes ou em utilizações que passem por recorrer ao que é natural ou menos agressivo quimicamente.

Laboratório preservado e visitável
Numa loja emblemática, onde as montras cuidadas e temáticas prendem a atenção e convidam a entrar num local de memórias, o passado diz presente.
A lista telefónica de 1953 “do Império” está ao lado do telefone de disco da década de 50. Há faturas antigas, fórmulas, objetos de trabalho de outrora, a velha caixa registadora National, a antiga máquina de escrever, fotografias, as balanças Avery “com mais de 75 anos” ou o alvará da Drogaria Moderna, onde se avisa que se trata de um estabelecimento “insalubre, incómodo e perigoso”, considerando os manipulados que ali eram preparados.
O laboratório também foi preservado. Aqui, os frascos transparentes de vidro continuam alinhados nas prateleiras. Contêm fragrâncias várias, bolas de naftalina, glicerina, cera virgem, resina loura, nitrato de potássio, cera de soja, manteiga de cacau, óleo de rícino, pigmentos, carnaúba, perborato, bicarbonato, ácido cítrico ou parafina.
“Hoje em dia serve até mais para mostrar às pessoas que visitam, porque acham muito engraçado a parte do laboratório com todos estes frascos antigos. Também é onde tenho armazenados os produtos mais sensíveis, que são os produtos químicos. Nem fazia sentido ter uma loja com história e não ter este acervo”, frisa o comerciante.
Do restaurador Olex à pasta Couto
O chamariz são os produtos mais emblemáticos, que não se encontram com facilidade. “Marcas que às vezes as pessoas pensam que já foram descontinuadas e que ainda estão no mercado, e que eu vou mostrando nas redes sociais e na montra”, ilustra João Paulo Pereira.
A Drogaria Moderna faz parte do imaginário de Fernando Jesus desde criança. A passar na rua com uma colega de fora da cidade, notou-lhe a atenção a um estabelecimento diferenciado e fora do comum. Entrou para perguntar por chaminés de candeeiros a petróleo, novamente em voga, com intuito decorativo. Acabou por levar conselhos e caixas de incenso.
“Aqui é o único local onde se encontram certos produtos. Eu conheço a loja desde miúdo. A essência mantém-se. Da imagem que tenho, pouco se alterou”, compara Fernando Jesus, que lamenta as “cidades descaraterizadas” e considera que a autarquia deve ajudar a preservar as lojas tradicionais e a promovê-las do ponto de vista turístico.
Guardião de memórias, mas com os olhos postos na rentabilidade do negócio, João Paulo Pereira, que não se imaginava atrás do balcão, tem como missão continuar a manter a traça antiga da loja, a cuidar do balcão, mobiliário e prateleiras originais e a “inovar, introduzindo apontamentos de modernidade” que aumentem o leque de potenciais clientes.