Da vida empresarial ao tear: o ingresso de Inês Barreiros na arte tradicional

A paixão pelos teares manuais antigos levou Inês Barreiros de volta às origens. Insatisfeita com o mundo empresarial, a designer despediu-se e regressou a Gouveia, onde conheceu o mestre que lhe mostrou a arte de fazer tecido de forma artesanal. Hoje é tecedeira na sua terra natal, onde nunca pensou voltar.
Inês Miguel
Inês Miguel Jornalista
05 dez. 2025, 06:00

A tecelã Inês Barreiros ao lado do mestre João Ferreira
Fotografia: A oficina de Inês Barreiros e João Ferreira fica localizada no Mercado Municipal de Gouveia

“Tecer é a dança entre o corpo e o fio, acompanhada de uma música única. As madeiras macias e sólidas do tear também entram nesta dança e cada movimento desperta os sentidos, criando uma profunda conexão com o presente. Neste ato de criação, o tempo parece parar, e tudo se transforma num diálogo íntimo entre corpo e obra, onde o amor e dedicação se entrelaçam em cada fio”. Esta é a descrição feita por Inês Barreiros quando a pergunta é: “Que sentimento tem pela arte da tecelagem?”.

Uma designer que se apaixonou por teares manuais antigos e assim virou tecedeira em Gouveia, cidade de onde é natural.

Foi o saber fazer e a complexidade deste ofício que a conquistaram e a trouxeram de volta às raízes, para Gouveia, que já foi um dos centros da evolução industrial do país, com uma comunidade operária numerosa e ativa. Em 1873, eram 23 as fábricas que funcionavam no município e, no final do século XIX, era o sexto maior centro urbano de faturação industrial em Portugal.

Inês Barreiros tirou o mestrado em Design Gráfico em Aveiro, onde trabalhou como designer em várias empresas. Insatisfeita com o mundo empresarial despediu-se e, durante o mês e meio que esteve parada, começou, por brincadeira, a costurar umas peças. Lembrou-se de pesquisar tecidos portugueses, até encontrar um senhor que fazia tecido de forma artesanal na sua própria terra, em Gouveia. Com muita curiosidade, quis saber mais. “Apenas conhecia a mulher do senhor João, que tinha uma loja, no entanto, não promoviam o facto de o tecido ser feito de forma artesanal”, relata Inês, que, sem demora, quis conhecer a oficina onde o artesão trabalhava nos teares, localizada no Mercado Municipal de Gouveia.

Passou uma manhã com ele… Observou como se fazia o tecido, como os teares trabalhavam, e achou aquilo tudo muito complexo. Ainda assim, não conseguiu ir embora sem lhe perguntar se a podia ensinar e, passado duas semanas, voltou para aprender a parte técnica e toda a execução.

“Depois de saber preparar o tear, urdir uma teia, tecer, vem o mais complicado, uma vez que trabalhamos com um fio que é fino até encaixar com o tear, foram tempos e tempos de aprendizagem para aperfeiçoar”, confessa.

“Foram horas e dias com o senhor João à minha volta a tentar perceber o que se passava, até que a certa altura percebemos que eu fazia mais peso de um lado do corpo do que do outro e isso causava alteração de tecido”, recorda.

O tecelão João Ferreira dizia que tinha uma profissão considerada em vias de extinção e que difícil era encontrar quem quisesse aprender a arte, mesmo quando se tenta inovar. Em 2018, ano em que Inês foi ao seu encontro, a opinião mudou.
O “mestre” João, como é tratado por Inês Barreiros, partilhou todo o conhecimento de forma a perpetuar a arte da tecelagem artesanal. Nasceu no meio de teares e aos 13 anos começou a sua vida profissional em fábricas de lanifícios. Quando viu a sua terra, outrora conhecida por tear da Beira, perder toda a indústria têxtil, decidiu pegar nos teares manuais da família e começar o seu próprio negócio. Já reformado, o amor que tem pela arte é tanto que mantém o negócio e os teares a trabalhar.

“Hoje, com 77 anos, o mestre João é responsável por tudo o que sei e faço. Mestre não só da sua arte, mas também da arte de ensinar. De uma generosidade inigualável, recebeu-me na sua oficina e nos seus teares ensinou-me tudo o que sabe. Deu-me a oportunidade de aprender e de voltar para a minha cidade”, refere a tecelã de 39 anos.

João Ferreira admite que Inês aprendeu rápido e nunca pensou que ela se agarrasse à arte com unhas e dentes. "Aprendeu, ficou e hoje é a minha companhia diária. É com bons olhos que vejo que ela se dedica a 100 por cento à tecelagem".

"Fico satisfeito por ver que isto não vai ficar abandonado, por ela ter seguido os meus conselhos e que no futuro pode continuar a dar utilidade aos teares que já são da altura do meu pai”, conta o artesão.

Ao mesmo tempo, explica os primeiros passos da criação de uma peça: “A primeira coisa a fazer é urdir a teia, segundo passo enrolar a teia, terceiro passo atar a teia, meter cada fio em cada malha destas. Já perdi a conta às vezes que o fiz. É aqui que me sinto realizado e passo o meu tempo”.

A oficina, composta por três teares que trabalham medidas diferentes de tecido, cheira a fios de algodão com um aroma leve e seco de fibras naturais e a madeira aquecida dos teares. Há também um toque de óleo de máquina, quase impercetível. É aqui que Inês Barreiros e João Ferreira cruzam os seus dias. Inês lançou a própria marca em dezembro de 2023, a “Fio Handmade”, presente nas redes sociais e brevemente em loja online.

Voltar às raízes e ao Interior depois de 14 anos foi para Inês Barreiros “inesperado”. “Na adolescência dizia que quando pudesse ia embora e não voltava, mas foi surpreendentemente bom regressar. Voltei numa fase da minha vida completamente diferente, com outra maturidade e encarei esta terra com outros olhos. Para mim, qualidade de vida, neste momento, é aqui”, desabafa.

A importância de valorizar a criação manual das peças, do saber antigo e da arte tradicional, está cada vez mais marcada nas gerações mais novas. Inês Barreiros tem esse exemplo nas diversas feiras que tem feito no litoral. “Atualmente, os jovens estão mais preocupados com a sustentabilidade, com a ecologia e com tudo o que é reutilizável”, explica.
Sem conseguir destacar uma peça preferida, indica que trabalha várias áreas, desde aventais, panos de cozinha, pegas, bolsas, almofadas, carteiras e até artigos para bebés e decorativos. Para a tecelã, todos os dias são desafiantes e de aprendizagem, uma vez que, desde o tear à parte da costura e aos acabamentos, é ela a única responsável pela criação da peça do início ao fim.