“A IA pode libertar o jornalismo para aquilo que é mais nobre.” Como foram criados os primeiros avatares da tv portuguesa
A Inteligência Artificial veio para ficar e o setor dos media é um dos que pode sofrer maior impacto. Projetos como o Conta Lá tornaram-se um exemplo do futuro: foi o primeiro canal português a usar comentadores virtuais gerados por inteligência artificial.
25 nov. 2025, 20:00
Fotografia: Os comentadores virtuais da noite eleitoral do Conta Lá foram pioneiros na televisão portuguesa
Sem anúncios ou cerimónias, surgiu como um sussurro para transformar o modo como trabalhamos, comunicamos e vivemos em sociedade: a Inteligência Artificial (IA) automatiza tarefas, analisa padrões e dados, prevê comportamentos e, acima de tudo, desafia-nos a repensar o papel do ser humano.
"Quem não souber usar estas ferramentas, vai ficar para trás”, começa por dizer Nuno Ribeiro, Managing Partner da Instinct to Innovate em Portugal, responsável por desenvolver vários projetos de Inteligência Artificial.
Para Nuno Ribeiro, a IA não é o futuro, mas sim o presente. E nada evidencia melhor a sua convicção depois da sua experiência na Ásia. “A prioridade número um do governo chinês, neste momento, é só uma: inteligência artificial. A partir dos seis anos, todas as crianças aprendem IA nas escolas”, relata. O contraste com a Europa é, para o consultor, preocupante: “Enquanto a Europa regula, a China executa. E quem regula demais acaba fora do jogo”.
Nuno Ribeiro fala num “gap social gigantesco” que poderá marcar as próximas gerações. “Se ensinarem os alunos de hoje a aprender a trabalhar com máquinas de escrever, quando chegarem ao mercado de trabalho, o mundo já mudou. Quem não souber usar estas ferramentas vai ficar para trás”, sublinha.
Numa vasta lista de setores onde a IA tem maior impacto, os media ocupam um lugar central. Nas redações, a tecnologia já é usada para automatizar tarefas como criar e transcrever legendas, gerar e editar imagens ou até apresentar informação de forma célere e eficaz.
“Algumas redações já começaram a usar o ChatGPT ou Gemini para transcrições e traduções, mas estamos só no início. (…) A barreira não é tecnológica, é cultural”, refere Nuno Ribeiro.
Projetos como o Conta Lá tornaram-se um exemplo do futuro: foi o primeiro canal português a usar comentadores virtuais gerados por inteligência artificial. Um projeto inovador, desenvolvido em parceria com a Instinct to Innovate, que marcou a estreia desta tecnologia na televisão portuguesa, na noite das eleições autárquicas de 12 de outubro. O prinicipal desafio foi usar a IA como aliada, sem perder a supervisão humana que marca o jornalismo.
“Para os comentadores da noite eleitoral, fizemos uma análise de dados eleitorais, totalmente processada por IA. O algoritmo cruzou informação, criou relatórios, gerou o diálogo entre os avatares, tudo feito por inteligência artificial. Depois, claro, veio a supervisão humana. O jornalista é sempre o editor final”, afirma Nuno Ribeiro.
Filipe Caetano foi o jornalista do Conta Lá que supervisionou os conteúdos e articulou a criação dos avatares com a empresa de Nuno Ribeiro.
“Este projeto foi feito por um parceiro estratégico que foi a Instinct, que nos ajudou a criar os avatares. Como é que foi feito? A digitalização do conceito, ou seja, a escolha do homem e da mulher, o seu perfil sociológico, a sua proveniência local, a sua formação académica e o seu aspeto físico foi tudo desenvolvido por mim e em conversa com a Instinct”, explica.
Os avatares Helena Monteiro Santos e Ricardo Mendes Pereira são comentadores fictícios, desenvolvidos através de um processo estruturado com recurso a inteligência artificial generativa. A criação começou com a definição de necessidades editoriais concretas e desenvolveu-se através de prompts detalhados que moldaram perfis profissionais coerentes, histórias de vida verosímeis, valores, frustrações, hábitos quotidianos e até uma fisionomia específica. Helena Monteiro Santos é especialista em desenvolvimento regional e Ricardo Mendes Pereira é politólogo e especialista em poder local.
“Eles apresentaram-me as características que queriam que eu desenvolvesse, eu desenvolvi também com recurso a ferramentas de inteligência artificial e, depois, no fim, fiz sempre a edição desse perfil. Passei para a Instinct, depois apurámos o aspeto físico deles, apurámos a voz e depois o texto foi dentro das áreas que nós queríamos, por exemplo, uma análise ao distrito de Beja”, explica Filipe Caetano.
Neste projeto, o Conta Lá usou IA não para substituir jornalistas, mas para uma análise especializada contínua e acessível sobre os 308 municípios portugueses, algo humanamente impossível de cobrir com a mesma profundidade através de comentadores tradicionais.
Os conteúdos foram gerados com ajuda da IA, mas sempre com a validação do jornalista: “Recorremos ao sistema também da inteligência artificial, demos uma série de fontes credíveis, dados, e ele fez uma análise. (…) Esse resultado foi novamente editado por mim, ou seja, fui conferir os dados”.
Depois da edição final, o projeto seguiu para a animação: “A Instinct desenvolveu a animação dos avatares. Depois disso, tivemos de apurar todo o processo, porque não foi satisfatório no início. Fomos melhorando, demorou algumas semanas, embora muito mais rápido do que é habitual. Em poucas semanas ficámos satisfeitos”.
O resultado final incluiu dez peças de comentário político e ainda uma apresentação adicional: “No fundo, eles fizeram dez peças, dez comentários, e ainda interagiram com o Paulo Salvador e com a Ana Sofia Vinhas durante a emissão das autárquicas. Foi bastante interessante e lembro-me que até os comentadores que estavam em estúdio ficaram surpreendidos com o resultado final”.
Filipe Caetano não tem dúvidas de que o setor dos media está entre as áreas que pode sentir mais o impacto da Inteligência Artificial. A transformação pode ser tão rápida quanto profunda. Para o jornalista, esta transformação é comparável à revolução industrial do século XIX.
“Estamos a passar uma autêntica revolução em termos de utilização de ferramentas automatizadas. Este avanço tecnológico poderá ter um impacto tão grande, ou maior, do que a Revolução Industrial", sublinha.
Ainda que a tecnologia avance a um ritmo vertiginoso, a sua utilização no jornalismo exige prudência e reflexão: “Ainda estamos numa fase embrionária, mas o potencial é enorme. É essencial percebermos tanto as possibilidades como os limites da sua utilização.”, refere Filipe Caetano.
A IA pode desempenhar tarefas no apoio à produção de conteúdos e notícias ou na análise de dados, o que permite libertar o jornalista para o essencial: pensar, contextualizar e investigar a informação. “A implementação da inteligência artificial pode libertar o jornalismo para aquilo que é mais nobre: a criatividade e o sentido crítico”, declara o jornalista.
Neste contexto, o Conta Lá prepara a “Academia de IA”, um projeto de formação contínua para jornalistas e colaboradores, com o objetivo de aumentar a literacia digital e preparar a equipa para o futuro. “Queremos partilhar conhecimento internamente para que todos os colaboradores dominem as ferramentas que podem facilitar o trabalho diário”, afirma Filipe Caetano.
Porém, da mesma forma que a IA pode trazer valências ao jornalismo, também traz riscos:
“Os jornalistas devem estar muito atentos ao risco de manipulação de imagens e de dados. Há ferramentas que ‘alucinam’, ou seja, criam informação falsa a partir de fontes reais. (…) Eu próprio vi isso acontecer na criação dos avatares. Se não houvesse intervenção humana, poderíamos ter colocado no ar informação errada”, refere o jornalista.
Ainda assim, o responsável mantém-se confiante e acredita que a IA não vai destruir o que está a ser feito, mas sim acrescentar: “O jornalismo pode e deve aproveitar a tecnologia para dar mais liberdade, para ser mais criativo e mais próximo das pessoas”.
"Quem não souber usar estas ferramentas, vai ficar para trás”, começa por dizer Nuno Ribeiro, Managing Partner da Instinct to Innovate em Portugal, responsável por desenvolver vários projetos de Inteligência Artificial.
Para Nuno Ribeiro, a IA não é o futuro, mas sim o presente. E nada evidencia melhor a sua convicção depois da sua experiência na Ásia. “A prioridade número um do governo chinês, neste momento, é só uma: inteligência artificial. A partir dos seis anos, todas as crianças aprendem IA nas escolas”, relata. O contraste com a Europa é, para o consultor, preocupante: “Enquanto a Europa regula, a China executa. E quem regula demais acaba fora do jogo”.
Nuno Ribeiro fala num “gap social gigantesco” que poderá marcar as próximas gerações. “Se ensinarem os alunos de hoje a aprender a trabalhar com máquinas de escrever, quando chegarem ao mercado de trabalho, o mundo já mudou. Quem não souber usar estas ferramentas vai ficar para trás”, sublinha.
Numa vasta lista de setores onde a IA tem maior impacto, os media ocupam um lugar central. Nas redações, a tecnologia já é usada para automatizar tarefas como criar e transcrever legendas, gerar e editar imagens ou até apresentar informação de forma célere e eficaz.
“Algumas redações já começaram a usar o ChatGPT ou Gemini para transcrições e traduções, mas estamos só no início. (…) A barreira não é tecnológica, é cultural”, refere Nuno Ribeiro.
Projetos como o Conta Lá tornaram-se um exemplo do futuro: foi o primeiro canal português a usar comentadores virtuais gerados por inteligência artificial. Um projeto inovador, desenvolvido em parceria com a Instinct to Innovate, que marcou a estreia desta tecnologia na televisão portuguesa, na noite das eleições autárquicas de 12 de outubro. O prinicipal desafio foi usar a IA como aliada, sem perder a supervisão humana que marca o jornalismo.
“Para os comentadores da noite eleitoral, fizemos uma análise de dados eleitorais, totalmente processada por IA. O algoritmo cruzou informação, criou relatórios, gerou o diálogo entre os avatares, tudo feito por inteligência artificial. Depois, claro, veio a supervisão humana. O jornalista é sempre o editor final”, afirma Nuno Ribeiro.
Filipe Caetano foi o jornalista do Conta Lá que supervisionou os conteúdos e articulou a criação dos avatares com a empresa de Nuno Ribeiro.
“Este projeto foi feito por um parceiro estratégico que foi a Instinct, que nos ajudou a criar os avatares. Como é que foi feito? A digitalização do conceito, ou seja, a escolha do homem e da mulher, o seu perfil sociológico, a sua proveniência local, a sua formação académica e o seu aspeto físico foi tudo desenvolvido por mim e em conversa com a Instinct”, explica.
Os avatares Helena Monteiro Santos e Ricardo Mendes Pereira são comentadores fictícios, desenvolvidos através de um processo estruturado com recurso a inteligência artificial generativa. A criação começou com a definição de necessidades editoriais concretas e desenvolveu-se através de prompts detalhados que moldaram perfis profissionais coerentes, histórias de vida verosímeis, valores, frustrações, hábitos quotidianos e até uma fisionomia específica. Helena Monteiro Santos é especialista em desenvolvimento regional e Ricardo Mendes Pereira é politólogo e especialista em poder local.
“Eles apresentaram-me as características que queriam que eu desenvolvesse, eu desenvolvi também com recurso a ferramentas de inteligência artificial e, depois, no fim, fiz sempre a edição desse perfil. Passei para a Instinct, depois apurámos o aspeto físico deles, apurámos a voz e depois o texto foi dentro das áreas que nós queríamos, por exemplo, uma análise ao distrito de Beja”, explica Filipe Caetano.
Neste projeto, o Conta Lá usou IA não para substituir jornalistas, mas para uma análise especializada contínua e acessível sobre os 308 municípios portugueses, algo humanamente impossível de cobrir com a mesma profundidade através de comentadores tradicionais.
Os conteúdos foram gerados com ajuda da IA, mas sempre com a validação do jornalista: “Recorremos ao sistema também da inteligência artificial, demos uma série de fontes credíveis, dados, e ele fez uma análise. (…) Esse resultado foi novamente editado por mim, ou seja, fui conferir os dados”.
Depois da edição final, o projeto seguiu para a animação: “A Instinct desenvolveu a animação dos avatares. Depois disso, tivemos de apurar todo o processo, porque não foi satisfatório no início. Fomos melhorando, demorou algumas semanas, embora muito mais rápido do que é habitual. Em poucas semanas ficámos satisfeitos”.
O resultado final incluiu dez peças de comentário político e ainda uma apresentação adicional: “No fundo, eles fizeram dez peças, dez comentários, e ainda interagiram com o Paulo Salvador e com a Ana Sofia Vinhas durante a emissão das autárquicas. Foi bastante interessante e lembro-me que até os comentadores que estavam em estúdio ficaram surpreendidos com o resultado final”.
Filipe Caetano não tem dúvidas de que o setor dos media está entre as áreas que pode sentir mais o impacto da Inteligência Artificial. A transformação pode ser tão rápida quanto profunda. Para o jornalista, esta transformação é comparável à revolução industrial do século XIX.
“Estamos a passar uma autêntica revolução em termos de utilização de ferramentas automatizadas. Este avanço tecnológico poderá ter um impacto tão grande, ou maior, do que a Revolução Industrial", sublinha.
Ainda que a tecnologia avance a um ritmo vertiginoso, a sua utilização no jornalismo exige prudência e reflexão: “Ainda estamos numa fase embrionária, mas o potencial é enorme. É essencial percebermos tanto as possibilidades como os limites da sua utilização.”, refere Filipe Caetano.
A IA pode desempenhar tarefas no apoio à produção de conteúdos e notícias ou na análise de dados, o que permite libertar o jornalista para o essencial: pensar, contextualizar e investigar a informação. “A implementação da inteligência artificial pode libertar o jornalismo para aquilo que é mais nobre: a criatividade e o sentido crítico”, declara o jornalista.
Neste contexto, o Conta Lá prepara a “Academia de IA”, um projeto de formação contínua para jornalistas e colaboradores, com o objetivo de aumentar a literacia digital e preparar a equipa para o futuro. “Queremos partilhar conhecimento internamente para que todos os colaboradores dominem as ferramentas que podem facilitar o trabalho diário”, afirma Filipe Caetano.
Porém, da mesma forma que a IA pode trazer valências ao jornalismo, também traz riscos:
“Os jornalistas devem estar muito atentos ao risco de manipulação de imagens e de dados. Há ferramentas que ‘alucinam’, ou seja, criam informação falsa a partir de fontes reais. (…) Eu próprio vi isso acontecer na criação dos avatares. Se não houvesse intervenção humana, poderíamos ter colocado no ar informação errada”, refere o jornalista.
Ainda assim, o responsável mantém-se confiante e acredita que a IA não vai destruir o que está a ser feito, mas sim acrescentar: “O jornalismo pode e deve aproveitar a tecnologia para dar mais liberdade, para ser mais criativo e mais próximo das pessoas”.