Zé Azeitona e Carlota Oliveira são os Reis das Facas nas feiras

Com banca semanal no mercado do Fundão, o feirante, de coroa na cabeça, dá conselhos a quem para sobre a faca mais adequada a cada função e diverte os transeutes com a real pose
Ana Ribeiro Rodrigues
Ana Ribeiro Rodrigues Editora-executiva
04 dez. 2025, 06:00

Rei das Facas Fundão
Fotografia: José Azeitona e Carlota Oliveira são os Reis das Facas nas feiras

Ele é José Azeitona, ela Carlota Oliveira. Conheceram-se nas feiras, que percorreram toda a vida. Juntos, tornaram-se os reis das facas nos mercados onde montam a banca, com direito a coroa real de plástico, forma de aligeirar os dias que não rendem e de divertir os clientes. 

Ha mais de três décadas que o mercado semanal do Fundão é poiso habitual do casal, residente em Santo André das Tojeiras, Castelo Branco, mas que se desloca pelo país às feiras onde a presença se tornou incontornável e têm os clientes à espera daquele canivete, do cutelo, de determinada navalha ou do tal punhal. 

“Ele é Azeitona, eu sou Oliveira. Temos tudo orientado”, graceja Carlota, 72 anos, num dia fraco para o negócio, a contrastar com o mercado do Fundão no verão, quando os emigrantes fazem parecer os corredores entre bancas mais estreitos e as vendas aumentam.

Neto ofereceu a coroa

Entre lâminas de todos os tamanhos, cores e feitios, estão cartazes a indicar que aquela é a banca do Rei das Facas. 

O primeiro ‘título nobiliárquico’ foi atribuído por um colega feirante em Elvas. Disse que ninguém vendia tantas facas, entregou ao casal o cartaz, que ficou afixado, e passaram a ser conhecidos como tal. Mais tarde, um neto ofereceu ao avô a coroa prateada que põe na cabeça e faz rir os clientes.

“Isto é uma brincadeira. De vez em quando, ponho a coroa”, realça, ao Conta Lá, José Azeitona, 66 anos, natural de Portalegre e nestas andanças desde os 14 anos. 

A mulher usa um boné  vermelho descorado onde se lê “Rainha das Facas Portuguesas”, presente de um fornecedor. 
 


Nascida na ida dos pais a uma feira

Os pais de Carlota Oliveira eram feirantes. Vendiam moldes feitos pelo pai. A família é da Capinha e Pêro Viseu, Fundão, mas foi no vizinho concelho de Penamacor que nasceu, onde os pais se tinham deslocado precisamente a uma feira. 

O negócio nem sempre foram só facas. Tiveram brinquedos e artigos em inox, mas os mercados deixaram de ter o mesmo movimento, a idade começa a pesar e optaram por se especializar, à medida que a diversidade disponível foi aumentado.

“Sei lá eu quantas referências tenho! Mais de cem, para tudo e para todos os preços”, garante. 

A mais vendida é “a antiga portuguesa”, também a mais barata, com preços entre os 2,5 e os cinco euros, e agora em quase todas as cores. A mais cara que tem à frente, de talho, “para cortar o cabrito, os ossos”, custa 85 euros. 

Nem sempre tem todos os modelos mais dispendiosos, para não ter o dinheiro “empatado sem saber por quanto tempo”. Quando assim é, recebe a encomenda e entrega na próxima ocasião. Como aconteceu com o cliente que queria facas para picanha, de 45 euros.

“Hoje há facas para tudo e mais alguma coisa”

José Azeitona salienta que o mais importante numa faca é que cumpra a sua função: “que corte bem, que tenha qualidade, tem de ser uma faca como deve ser”.  Mas hoje, diz, há facas para tudo e mais alguma coisa. 

“Temos para todos os gostos. Quem quiser comprar caro, há caro. Quem quiser comprar barato, há barato. Mas há um ditado muito antigo que diz que o barato sai caro. Isto é como andar num Mercedes ou num Fiat Uno. Não é a mesma coisa”, salienta o comerciante, que assevera representar as melhores marcas nacionais, elencando as que consideram serem as topo de gama. 

Cada vez o casal tem feito menos feiras e já começa a perspetivar que não possa continuar por muito mais tempo o negócio de que vive há décadas. 

“Uma hora à Benfica” para montar

A atividade ambulante implica viagens e montar e desmontar a cada saída a banca, em frente à carrinha branca que ajuda a suportar a estrutura. Para o mercado semanal do Fundão, às segundas-feiras, basta saírem de casa às 06:00. Se for para o Alentejo já tem de ser às 04:00. Depende da distância. 

Mas organizar todo o vasto mosaico de caixas alinhadas com facas de lâmina da mais fina à mais robusta, num metal polido que vai refletindo a vida à entrada do mercado, é cada vez mais complicado e não é sempre feito ao mesmo ritmo. 

“Para arrumar isto tudo, arrumar a banca, é uma hora à Benfica. Agora um bocadito mais do que uma hora, porque o Benfica anda fraquito. Isto ainda demora um bocado”, descreve José Azeitona.

Para desmontar, depois de uma manhã de trabalho, a energia não é a mesma. “De manhã estamos com a força toda, depois é que são elas. A desmontar é devagar, devagarinho e parado”, acrescenta o Rei das Facas, como se passou a apelidar há muito. 

O feirante diz que é procurado, que dão pela sua falta quando não está e que, além dos emigrantes, vende para outras pessoas, para vários países. 

Catarina Rito, 42 anos, mora em Bordéus, França, veio a Aranhas, aldeia de Penamacor, apanhar a azeitona e cumpre o hábito de comprar facas nesta banca para levar para si, para a família e amigos. Vai pegando em várias, para “diferentes propósitos”, e pede para embrulhar. “Todos os anos venho aqui. Prefiro estas, porque sei que são de boa qualidade”, justifica. 

José e Carlota só não sabem quantos mais anos os clientes vão ser atendidos por esta realeza. Vai depender das forças. Mas não se veem a fazer outra coisa. 

“Eu não estudei para médico, para advogado nem para ministro. Sempre fui comerciante. Vou ser até morrer”, antecipa José Azeitona, o Rei das Facas.