Estudantes deslocados: milhares de euros separam Lisboa do interior

Em Portugal, há cerca de 170 mil alunos do Ensino Superior deslocados. O preço do alojamento começa a impor-se como um problema em cada vez mais cidades. Novo sistema de ação social anunciado pelo Governo vai ajustar bolsas ao custo real de estudar.
Pedro Reis
Pedro Reis Jornalista
05 dez. 2025, 06:00

Estudante avalia anotações afixadas na parede
Fotografia: O preço do alojamento começa a impor-se como um problema para quem quer prosseguir os estudos

O Ministério da Educação, Ciência e Inovação vai rever o cálculo dos apoios a atribuir aos alunos do ensino superior, diferenciando estudantes deslocados e não deslocados, para garantir um apoio ajustados ao custo de vida em cada concelho.

Um estudante universitário deslocado em Lisboa, que frequente o ensino público, mas não tenha qualquer apoio do Estado, tem de pagar quase o salário mínimo para fazer face apenas ao alojamento, à alimentação e à propina. Estudar na capital pode ser uma dor cabeça para muitas famílias, tendo em conta os preços atuais do mercado de arrendamento. Comparativamente com os valores praticados em cidades do interior, os custos em Lisboa podem representar um acréscimo de mais de 3000 euros por ano.

Numa rápida pesquisa sobre preços de aluguer de quartos em sites como o Idealista, conclui-se que muito dificilmente um estudante encontra um quarto por menos de 500 euros em Lisboa. Se a isto somarmos um valor estimado de custos com alimentação de 200 euros mensais e o valor de referência da propina anual no ensino público (697 euros), rapidamente se atinge um gasto mensal próximo dos 800 euros. Isto quer dizer que, só com estes custos, um estudante deslocado na capital tem de pagar quase o salário mínimo nacional, fixado em 870 euros. As contas são ainda mais difíceis quando se adiciona os custos com transportes, material académico e despesas pessoais.

Em Portugal, há cerca de 170 mil alunos do Ensino Superior deslocados. Na hora de optar pelo curso e pela instituição, há diversos fatores a ter em conta, mas o preço do alojamento começa a impor-se como uma variável determinante e um problema em cada vez mais cidades.

No Porto, o cenário não é muito diferente do que acontece em Lisboa: o preço de um quarto ronda os 450 euros e a fatura mensal pode atingir os 750 euros. Entre as cidades mais caras estão também Évora e Aveiro, com custos a rondar os 400 euros por quarto. Mais uma vez, e somando despesas várias, as contas mensais podem ultrapassar os 600 euros.

Fazendo o mesmo exercício em todas as capitais de distrito, chegamos depois a Beja, Coimbra, Setúbal, Faro e Viana do Castelo, onde os quartos atingem mínimos de 350 euros. Logo a seguir, estão cidades como Leiria, Santarém, Braga e Vila Real cujo preço por quarto começa nos 300 euros e onde é possível uma poupança de mais de 200 euros mensais relativamente a Lisboa.

Entre as capitais de distrito com o alojamento mais acessível estão Viseu, Guarda, Portalegre, Bragança e Castelo Branco, que se apresentam com preços por quarto a rondar os 200 euros. Nestas cidades, um estudante deslocado gasta menos 3000 euros por ano do que um estudante deslocado em Lisboa.

Por cada cama disponível em residências universitárias, há 10 alunos à procura. Gonçalo Antunes, geógrafo e professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, afirma ao Conta Lá que uma baixa oferta pública de residências universitárias “obriga os estudantes a recorrerem ao mercado privado e a sofrerem com os preços mais altos de sempre”. Fator que, acrescenta, “promove o aumento das desigualdades no acesso ao Ensino Superior”.

“Muitos alunos são obrigados, por um lado, a optar por não continuarem os estudos, ou, por outro, a verem-se forçados a escolher cursos que não são os que pretendem, em cidades onde o alojamento é mais acessível”, destaca.


Compare, no gráfico, os preços médios por quarto em diferentes cidades:

 

Apoios do Estado não mitigam custos em Lisboa

Nem todos os estudantes têm de pagar integralmente as despesas e há jovens que reúnem condições para usufruir dos sistemas de ação social - quando as famílias têm um rendimento anual per capita inferior a 14.630 euros. Nestes casos, o valor da fatura é significativamente inferior.

De acordo com um estudo de avaliação do sistema de ação social no Ensino Superior, realizado por investigadores da Universidade Nova de Lisboa e apresentado em setembro, os estudantes deslocados com apoio do Estado pagam, pelo menos, mais 200 euros por mês para frequentar a faculdade, face aos colegas que estudam na sua cidade, com o alojamento a representar a maior despesa.

Ainda de acordo com o relatório, Lisboa é a cidade onde ser estudante deslocado, mesmo com apoios, acarreta maiores custos. Lê-se no documento que comparando as despesas totais de um estudante não deslocado e de um estudante deslocado na capital, sem considerar a propina, a diferença chega aos 349 euros médios mensais: um estudante deslocado, mesmo com apoios, paga quase 500 euros por mês em alojamento, transportes, alimentação e outras despesas que, no caso dos não deslocados, não chegam a totalizar 150 euros.

O que diz a proposta do Governo

Além do rendimento de cada família, o novo sistema de ação social no ensino superior passará a ter em conta outros custos, como propinas, alimentação, transportes e alojamento. A reforma proposta prevê que "o custo real de vida passa a ser estimado para cada concelho onde exista oferta de ensino superior, sendo feita a diferenciação entre estudantes deslocados e não deslocados para garantir que "o apoio é proporcional aos encargos suportados", explica a tutela em comunicado.

O valor da bolsa a atribuir resultará da diferença entre o custo real de estudar num determinado concelho e o rendimento que a família pode disponibilizar ao estudante para frequentar o ensino superior.

"Se a diferença for positiva, o estudante recebe bolsa", refere o comunicado do Ministério, acrescentando que "este método garante progressividade plena e ajusta automaticamente o limiar de elegibilidade às despesas calculadas em cada concelho".

A proposta prevê ainda a criação de uma bolsa de incentivo destinada aos alunos mais carenciados. Todos os estudantes que, no ensino secundário, tenham beneficiado do escalão A da Ação Social Escolar vão receber um apoio "automático" de 1.045 euros anuais.