Ensino profissional: a maior empregabilidade está a desafiar o preconceito
Foi a partir de 2005/2006 que os cursos profissionais começaram a ter destaque e a romper padrões no sistema educativo português, apesar de a sua origem remontar ao período ainda antes do 25 de Abril de 1974, quando o ensino se dividia entre liceus e escolas comerciais/industriais. Atualmente, sabe-se que mais de 70% dos alunos destes cursos conseguem emprego um a dois anos após a conclusão da formação – acima dos 56% registados no ensino científico-humanístico.
Em 2005, pela mão da então ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues, o ensino profissional foi integrado em pleno no sistema educativo, estendendo-o às escolas secundárias do Estado. A partir desta altura, verificou-se o crescimento do número de estudantes nestes cursos.
“Quando o ensino profissional é alargado à escola pública, logicamente o crescimento é exponencial, passámos de cerca de 15 mil alunos para cerca de 32 mil alunos logo num ano”, lembra Amadeu Dinis, presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais (ANESPO), ao Conta Lá.
Desde então e até 2009/2010, mais do que duplicou o número de alunos inscritos, de 13% para 31%, respetivamente. Atualmente, existem perto de 4.000 cursos do ensino secundário profissional em Portugal e 265 escolas profissionais em todo país (das quais oito nos Açores e quatro na Madeira), sendo que a grande maioria são de iniciativa privada (231 privadas e 34 públicas). Há ainda 14 escolas artísticas.
Os dados mais recentes do Ministério da Educação referem a existência de 114 mil alunos matriculados no ensino profissional em 2024/2025 (número que sobe para os 130 mil se contabilizarmos também os cursos de aprendizagem e artísticos), havendo 207 mil inscritos em cursos científico-humanísticos.
Informática, turismo, restauração, desporto e o ramo das engenharias são os cursos mais escolhidos pelos alunos do ensino secundário profissional, em Portugal. Nos últimos anos letivos, mais de metade da oferta formativa concentrava-se nestas áreas, com o setor terciário a ser o predominante em termos de cursos disponíveis (cerca de 82%).
Além desta concentração ao nível da escolha de cursos, o mesmo acontece no que respeita às regiões onde a oferta formativa se encontra. É nas zonas mais povoadas e nas regiões Norte e Centro que se concentram mais de metade dos cursos disponíveis, em contraste com as regiões rurais do interior onde a abertura de novos cursos é inferior.
“Logicamente que nas regiões do litoral há mais oferta, mas ainda é uma oferta que fica muito aquém das necessidades. Na região de Lisboa e Vale do Tejo, se a oferta fosse 30% maior os cursos seriam preenchidos e o aumento de alunos é significativo, só que o Estado não quer que cresça nessas regiões porque o financiamento aí é 100% do Orçamento de Estado, enquanto noutras regiões do país são financiados pelo PRR”, refere Amadeu Dinis.
Introduzidos numa época em que a taxa de abandono escolar era extremamente elevada, os cursos profissionais tiveram um papel crucial na motivação de jovens que procuravam “uma aprendizagem diferente, mais virada para o mercado de trabalho”. São por isso apontados como um dos principais responsáveis pela redução das taxas de abandono escolar, que entre 2000 e 2023 caíram de 39% para menos de 10%, respetivamente.
“Os cursos profissionais surgiram como uma forma de dar oportunidades que não existiam no sistema educativo aos jovens quando chegavam ao secundário. Aliás, a expansão aconteceu logo depois da escolaridade obrigatória passar para os 18 anos. Houve muito investimento, muitos fundos europeus que foram usados para expandir a rede de cursos profissionais em Portugal”, refere o investigador da Nova SBE Luís Catela Nunes ao Conta Lá.
Com uma taxa de conclusão de estudos de 83% no ano letivo de 2023/2024 – a chegar perto dos 90% registados no ensino científico-humanístico – foram 32.735 os alunos diplomados no ensino secundário profissional, nos mais variados cursos.
O perfil dos alunos
A consolidação do ensino profissional em Portugal faz notar uma mudança na perceção que a sociedade tem sobre estes cursos, apesar de a maioria dos alunos – com predominância de jovens do sexo masculino – continuarem a ser provenientes de meios económicos mais desfavorecidos e de famílias com baixa escolaridade.
“A educação escolar dos pais de muitos dos jovens que fazem cursos profissionais ainda é em média mais baixa do que a dos pais de alunos que vão para os cursos científico-humanísticos. Portanto, continua a haver alguma diferença no perfil do aluno nesse sentido. Mas há jovens que vêm de famílias também com maior nível de educação que querem fazer ensino profissional”, explica o investigador da Nova SBE Luís Catela Nunes ao Conta Lá.
O investigador admite ser importante que as escolas tenham o papel de “mostrar que é possível que quem segue um curso profissional consegue dar o salto, por exemplo seguindo para o ensino superior”.
Pese embora esteja hoje “mais esbatida” a ideia de que quem escolhe o ensino profissional “são os alunos com menos capacidades”, Amadeu Dinis, da ANESPO, admite que a ideia ainda persiste.
"E esse preconceito é preciso combater cada vez mais porque nós olhamos para países mais desenvolvidos como a Suíça onde 80% dos alunos estão no ensino profissional e em Portugal isso não acontece. Enquanto nesses países a orientação vocacional é trabalhada no início da escolaridade, em Portugal é feita genericamente no 9.º ano, com três, quatro sessões e não é para os alunos todos porque o próprio sistema faz logo à partida uma seriação de quem deve fazer os cursos de prosseguimento de estudos e quem deve fazer os cursos profissionais”, acrescenta.

Cursos correspondem às necessidades do mercado de trabalho?
“Se calhar às vezes são cursos que não têm tanta saída profissional quanto a desejável. Eu vejo um crescimento muito grande, por exemplo, nos cursos de desporto, têm uma oferta maior do que a necessária no país e depois não têm o nível de rendimento que os alunos esperavam quando forem desempenhar aquelas profissões”, admite Amadeu Dinis, considerando que são as áreas ligadas à restauração, manutenção industrial e eletricidade as principais canalizadoras de mão de obra bem remunerada.
A empregabilidade é precisamente uma das bandeiras atribuídas aos cursos profissionais, com os dados a revelarem que mais de 70% destes alunos conseguem emprego um a dois anos após a conclusão do curso – valor acima dos 56% registados no ensino científico-humanístico.
Segundo um estudo de março de 2023 da Fundação Belmiro de Azevedo em parceria com a Universidade de Aveiro, do total de diplomados entre 2010 e 2019 que não prosseguiram os estudos e entraram para o mercado de trabalho, “10% começaram a trabalhar antes de terminar o curso e 52% obtiveram emprego na área de formação nos primeiros seis meses após conclusão do ensino secundário profissional”.
Ciências, matemática e informática (42,8%), serviços (35,4%) e engenharia, indústrias transformadoras e construção (35,1%) são as áreas com maior empregabilidade.
Um estudo coordenado por Luís Catela Nunes para a Fundação Francisco Manuel dos Santos refere ainda que, em 2023, a percentagem de jovens entre os 25 e os 34 anos com uma formação profissional no secundário que não estavam nem empregados nem desempregados era “notavelmente baixa, situando-se em 5,6%, bem abaixo da taxa de inactividade entre os jovens provenientes do ensino geral (10,6%) e abaixo das médias da União Europeia [UE] e da OCDE (cerca de 11%)”.

Ensino profissional pode ser impulso para a dinamização do tecido empresarial
Embora a existência de dados sobre o nível salarial de quem se formou no ensino profissional seja ainda escassa, os rendimentos de quem opta por este tipo de cursos pode ser mais elevado. “Isto tem a ver com a tipologia de emprego que [os alunos] arranjam. Se vão trabalhar para empresas ligadas ao setor do Estado, os salários normalmente são mais baixos, afetos às tabelas do Estado. Já quando estão a trabalhar nas empresas privadas, os salários são muito mais altos, muito mais competitivos”, admite o presidente da ANESPO.
Por outro lado, o aparecimento de cursos e de alunos formados numa determinada área promove uma “dinamização maior do tecido empresarial e o aparecimento significativo de novas empresas, três a cinco anos depois da entrada destes alunos no mercado de trabalho”, refere Luís Catela Nunes ao Conta Lá
“Após a criação de um curso profissional num dado município ou região, à medida que os jovens vão sendo formados e o número de trabalhadores com aquela qualificação vai aumentando, surgem novas empresas. Os cursos profissionais têm esse papel muito importante de permitir a existência desse 'input' para depois poder haver lugar a empreendedorismo, a novas empresas”, Luís Catela Nunes, investigador Nova SBE.
Mas se muitos estudantes se formam num concelho, outros tantos procuram emprego em municípios vizinhos. Isto porque há ainda lacunas que é preciso combater.
Municípios podem ter papel fundamental
Muitos dos alunos formados no ensino profissional acabam por trabalhar fora da sua área de formação, o que levanta a questão do alinhamento dos cursos com as necessidades reais do mercado de trabalho.
“Os municípios têm hoje em dia um grande papel na gestão escolar e por isso também na definição estratégica de quais são as necessidades locais em temas de emprego. Uma das recomendações do estudo é que haja uma coordenação intermunicipal no sentido de definir quais são as ofertas estratégicas de cursos profissionais", refere o investigador Luís Catela Nunes.
Já o presidente da ANESPO acrescenta que a oferta da rede formativa tem de ser repensada, ao invés de se presenciar uma “reposição parcial da oferta”. “É um pressuposto errado, o da reposição do número de turmas que abriram no ano anterior. E isso só acontece no ensino profissional, ou seja, a escola pode abrir as turmas que quiser no científico-humanístico, mas nos cursos profissionais só pode abrir aquele curso que ficou definido. E o que é que as escolas fazem? Encaminham para aquilo que lhes dá mais jeito”, defende o responsável.
Também a precisar de uma reformulação está o Catálogo Nacional das Qualificações, com a revisão já em curso e com entrada em vigor prevista no ano letivo 2026/2027. “Atualmente, existem 400 cursos no Catálogo Nacional das Qualificações. O catálogo tem 20 anos, ou seja, as profissões e os cursos que ali estão não têm nada a ver com aquilo que está a ser feito no mercado de trabalho – repare que hoje um curso de contabilidade ainda tem o sistema de contabilidade de há 20 anos, que até já está revogado”, expõe Amadeu Dinis.
Mas são muitos os desafios que o ensino profissional enfrenta, desde o trabalho junto das famílias e estudantes para aconselhamento sobre os caminhos que existem até à necessidade de preparar melhor as escolas para o acolhimento aos alunos estrangeiros que todos os dias chegam ao ensino português – e que representam já 20% dos estudantes inscritos no ensino profissional em Portugal.
A juntar a isto, os estudos apontam também melhorias que devem ser tidas em conta, nomeadamente, ao nível da reforma das matérias escolares, aumento de bolsas de estudo e apoio a deslocados, maior articulação com o mercado de trabalho na definição dos cursos e na promoção de estágios, ou até regras de financiamento idênticas entre público e privado para conseguir captar alunos não somente de ambientes económicos desfavorecidos.
E é precisamente este o “problema maior”: a questão financeira e a revisão das tabelas. Apesar de estar em curso a conclusão de um investimento de mais de 400 milhões de euros, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, para instalar 365 Centros Tecnológicos Especializados, que irão permitir modernizar o ensino profissional e estimular a abertura de novos cursos nos próximos anos letivos, o presidente da ANESPO considera que o ensino profissional em Portugal “vive momentos terríveis e dramáticos a nível do financiamento”.
“Nós temos o financiamento por via de contratos-programa que fazemos com o Estado e aquilo que o Estado remunera à escola para este serviço está muito aquém da despesa real e efetiva. (...) De 2010 até 2025 há uma taxa de inflação acumulada de 30% e o valor que as escolas recebem é exatamente o mesmo. Isto é incompatível”, admite, sublinhando que a tabela em vigor atualmente é ainda a mesma que foi definida há 15 anos.