No princípio era a planta. Na agricultura regenerativa, é o solo o protagonista

A agricultura regenerativa é um conjunto de práticas que visam a preservação da biodiversidade dos solos. A adoção destas técnicas pode gerar ganhos de produtividade
João Nápoles
João Nápoles Editor-executivo
02 dez. 2025, 06:00

Uma planta irrompe do solo
Fotografia: No princípio era a planta. Na agricultura regenerativa, é o solo o protagonista
“Quando andávamos na academia, ensinavam-nos a alimentar a planta para ela nos alimentar a nós”, lembra José Azoia, 38 anos, agricultor. “Agora, estamos a descobrir que o solo é um ser vivo, é um bioma”. É o primeiro e o principal mandamento da agricultura regenerativa, que pode ser descrita como um conjunto de técnicas que promovem a preservação da biodiversidade e, como veremos mais à frente, podem gerar ganhos de produtividade.

A rotação de culturas, a cobertura do solo para protegê-lo da erosão e minimizar o uso de fertilizantes e pesticidas são tidas como práticas básicas desta forma de fazer agricultura. Na verdade, grande parte das técnicas regenerativas são milenares. “Um regresso à essência”, nas palavras de José Azoia.


Uma cidade que é preciso preservar

A estas práticas junta-se outra, obrigatória no respeito pelo mandamento deste sistema produtivo: minimizar a mobilização do solo. Num debate promovido pelo Conta Lá, durante a Feira Nacional da Agricultura, em junho deste ano, tanto José Azoia como João Matamouros Pinto, Country Manager da Rovensa Next, empresa dedicada ao desenvolvimento de biosoluções para agricultura sustentável, lembram que a própria sementeira pode representar uma agressão ao solo, por implicar alguma mobilização.

“Ao causarmos esse distúrbio estamos a destruir a estrutura que foi criada no solo pelos fungos e as bactérias. É como se tivéssemos uma cidade funcional e depois partimos a cidade toda e temos de a reconstruir. É isso que acontece quando fazemos uma mobilização”, explica o agricultor.

João Matamouros Pinto acrescenta que “os solos portugueses, salvo raras exceções, têm teores muito baixos de matéria orgânica. E aqui a tecnologia está a dar uma ajuda muito grande, tanto ao nível de sistemas e maquinaria que permitem a adoção das práticas que pretendemos adotar, quer ao nível do desenvolvimento de soluções que são aplicadas pelos agricultores. Biofertilizantes e bioestimulantes são soluções nutritivas e de proteção das culturas contra pragas e doenças bastante eficazes.


Sustentabilidade para o agricultor

Atualmente, José Azoia pratica agricultura regenerativa em 20% da sua exploração de leguminosas. “A pouco e pouco, medidas que vejo que funcionam desse lado, vou aplicá-las na convencional. Espero que daqui a 5, 6 anos, possamos praticar durante todo o ciclo de cultivo técnicas regenerativas. Mas o principal fator de qualquer agricultor é sustentabilidade económica. Sem ganharmos dinheiro ninguém pode viver. Não nos podemos lançar de cabeça para tudo o que se ouve e se vê. É ir experimentando”.

A investigação parece apontar para a sustentabilidade também financeira. O estudo “Regenerating Europe from the Ground Up — Farmer-led Research on Europe’s Full Productivity”, da Aliança Europeia para a Agricultura Regenerativa, desenvolvido em 14 países entre 2021 e 2023 e publicado este ano, revelou que os agricultores que aplicaram métodos regenerativos registaram, em média, ganhos de produtividade de 32%.

No terreno, José Azoia percebe os méritos das práticas e acredita que “de futuro, a agricultura regenerativa é o caminho, porque vai ser mais económica. Nós não vamos produzir mais. O desafio é manter os níveis de produção com menos inputs. Sendo o solo mais saudável, a planta vai ser mais saudável e nós vamos ter menos custos para obter a mesma produção”.

Mas então porque é que as práticas não são já uma realidade generalizada? A resposta poderá ter a ver com “conhecimento e vontade e não tanto com investimento”, acredita João Matamouros Pinto. José Azoia lembra que, quando o conceito lhe foi introduzido por um vizinho, também estranhou. Entre risos, revê-se  nos agricultores que dizem “lá vêm os malucos com mais uma coisa exotérica, das luas”. A verdade é que teve de fazer inúmeras formações e explorar o denso sistema de networking e partilha de informação que existe entre pares. “Há um exemplo prático que é a lã de ovelha”, partilha José. “Neste momento em Portugal a lã não tem valor nenhum. E, numa formação, houve um senhor que falou nisso, eu já testei e funcionou. Transformámos lã de ovelha em aminoácidos, num adubo foliar”. Com isto, redescobriu o gosto de ser agricultor.

“Antigamente tínhamos uma folha de Excel, tantos quilos de adubo, leva fungicida, leva inseticida… siga. E agora o desafio de voltar a fazer com que o solo esteja constantemente com vida, é completamente diferente. A nutrição das plantas é um acompanhamento muito mais ativo e redescobri a vontade de ser agricultor novamente e o entusiasmo de praticar a agricultura na sua essência”, conta José Azoia.

O primeiro objetivo, é o mesmo, “ganhar dinheiro. Se estamos a fazer alimentos muito mais ricos nutricionalmente, melhor ainda. Afinal, a nossa função é alimentar a população”. No princípio era a planta. Agora, alimenta-se sobretudo o solo. É ele que depois nos vai alimentar.