Nestas aldeias contam-se os vizinhos pelos dedos de uma mão

Na aldeia de Bordozedo, no concelho de São Pedro do Sul, vivem seis pessoas, mas em Fragoselas ou em Deilão ainda vivem menos. São os mais velhos que mantêm vivas as aldeias.
Mariana Rebelo Silva
Mariana Rebelo Silva Jornalista
Fábio Ruela Marques
Fábio Ruela Marques Jornalista
03 dez. 2025, 06:00

Imagem aérea da aldeia de Bordozedo
Fotografia: Aldeia de Bordozedo, localizada na Serra de São Macário

Nove da manhã. O nevoeiro ainda cobre a Serra de São Macário e o termómetro marca 1 grau. Não se vê vivalma em Bordozedo. Esta pequena aldeia situa-se no limite entre os distritos de Viseu e Aveiro, na freguesia de São Martinho das Moitas e Covas do Rio, no concelho de São Pedro do Sul. Aqui vivem apenas seis habitantes.

São os animais que dão o alerta que chegou alguém desconhecido. Nem cinco minutos depois, começa a aparecer gente. Primeiro, Cecília Vinagre, ali nascida e criada. Tem 83 anos e 12 ovelhas. Está na hora de pôr o gado a pastar. Os dias na aldeia são passados de volta dos animais, tal como antigamente, mas sem a mesma força, “a tratar das galinhas e das ovelhas”.

“Já plantei umas 30 couves, ainda queria plantar mais, mas não posso. Doem-me as costas”, conta-nos, a sorrir.

A 32 quilómetros e a 45 minutos da sede do concelho, o maior problema é ir ao médico e às compras, onde vai, pelo menos, uma vez por mês.

A casa está vazia durante quase todo o ano. Só pela altura do Natal é que enche, com o regresso dos filhos e dos netos, emigrados na Suíça. Chegam a ser 10. 

A conversa flui ali ao fundo da Rua da Capela, junto a um cofre que guarda a Nossa Senhora, enquanto se vão aproximando, um a um, os restantes habitantes da aldeia.
 

Cecília Vinagre (à direita)

 

Maria dos Anjos tirou a carta de condução aos 66 anos


Na aldeia também vive a irmã. Maria dos Anjos, com 88 anos, que se aproxima de bengala. Conta-nos que deu uma queda há pouco tempo. As memórias de Bordozedo são de uma aldeia “mais animada”. “Havia aqui muita gente e aos domingos juntávamo-nos todos na rua no bailarico”, lembra.

 “Havia mais mocidade. Agora isto está morto e qualquer dia não há ninguém. A juventude aqui não tem emprego, não vem para cá”, lamenta Maria dos Anjos. 

Estudou em Covas do Rio, onde conheceu o marido, até à quarta classe. Quando chegava da escola ajudava os pais nas terras. Aos 20 anos rumou até Lisboa onde trabalhou largos anos e só regressou a Bordozedo já com 65 anos. Maria dos Anjos ficou viúva há 23 anos, altura em que decidiu tirar a carta de condução (tinha 66 anos). O carro era um refúgio para sair da aldeia. 

“Os dias, agora, são passados aqui. Nem à missa posso ir”, lamenta, entre sorrisos, à porta da capela. “Vejo televisão, faço a comida, faço croché, leio um livro e passa-se o tempo. É assim a minha vida”, diz, encolhendo os ombros.
 


O mais jovem tem 51 anos


Alcino Vinagre, filho de Cecília, está de férias em Bordozedo e é, por esta altura, o mais jovem da aldeia. Tem 51 anos e está emigrado na Suíça há 32 anos. As férias, em Portugal, são sempre passadas aqui na aldeia, em casa da mãe, com vista para a serra. “É aqui que sou feliz”, garante-nos, apressando-se a explicar. 

“Sempre gostei da liberdade, da paz e do sossego e só encontro isso aqui. Sempre quis regressar à minha aldeia. Ainda não estou cá a 100 por cento, mas quase”, garante.

Alcino dedica-se à produção de mel e no verão diz que pega na mota e vai “pelas montanhas fora”. “Enquanto for assim, não me sinto isolado.”

Para os restantes habitantes, Alcino é um grande apoio. “Podem sempre pedir-me ajuda para tudo. Eu gosto.”

Alcino acredita que Bordozedo vai voltar a ser uma aldeia mais povoada. Ele próprio já comprou uma casa na aldeia para ele e para o filho, que está na Suíça. “Vai haver mais pessoas a regressar. Numa cidade ninguém sobrevive, aqui sobrevive-se. Eu sou do tempo em que aqui se cultivava um pouco de tudo: feijão, batata, milho”, lembra.

 

Em Fragoselas, todos os (quatro) habitantes guardam a chave da capela


Na aldeia ao lado, Fragoselas, espera-nos Auzíria ou Alzira (já explicamos). É a cicerone e apressa-se a dar-nos as boas-vindas, junto a uma placa onde se lê: “Bem-vindos a Fragozelas”. Foi a neta que a fez. 

Auzíria nasceu, em 1951, em Cortegaça, e foi registada em Arouca, por um tio. “Ele enganou-se e o [senhor] do registo também. Era para ser Alzira e ficou Auzíria”, mas todos na aldeia, e na freguesia, a chamam de Alzira. Foi em Fragoselas que cresceu até ir para Lisboa e, depois, emigrar para a Suíça, mas há 25 anos que regressou à terra. A aldeia é pequenina e tem pouca gente, apenas os resistentes. São quatro. “Adorava ver aqui mais gente, que viesse por bem”, desabafa.

“Noutros tempos havia muita gente. Só na minha casa éramos nove pessoas, sete irmãos e os meus pais”, lembra.

Os dias são passados a trabalhar, apesar da idade (já lá vão 74 anos). “Às seis da manhã estou com o olho alerta. Trabalho de manhã, trabalho à tarde e à noite”, diz. O gado já anda a pastar, no alto das montanhas. “Andai cá, andai cá, para onde é que vocês ides?”, pergunta às 12 ovelhas, que já andam longe. 

Auzíria faz questão de nos levar até à capela em honra de Nossa Senhora de Fátima. Ardeu por completo em 2005 (salvaram-se os santos que estavam em casa da Auzíria) e foi reerguida através de donativos da população em 2015. Agora, todos têm uma chave para ali entrarem quando bem entenderem. Em agosto, a festa é em honra de São Gonçalo.


 

Auzíria Figueiredo (à direita) levou-nos a conhecer Fragoselas

 

De 70 para quatro habitantes


Da capela de Fragoselas vê-se Deilão, outra aldeia onde vivem apenas quatro habitantes. No cimo de um escadote, escondido pelas folhas do olival, anda Manuel António, na apanha da azeitona. 

“Mais duas horas e está feito por aqui”, diz-nos. Com 76 anos, a agricultura faz parte dos dias. “Faço a vindima, podo as árvores, planto as couves para o Natal e para o caldo verde, planto o milho, o feijão, as batatas, os pepinos”, enumera, enquanto vareja as azeitonas.

Aos 16 anos, em 1965, abandonou Deilão para ir trabalhar para Lisboa onde ganhava 450 escudos por mês. Mais tarde foi para o Ultramar e quando regressou a primeira coisa que fez foi casar (mas, entretanto, já se divorciou). As dificuldades levaram-no a emigrar para a Suíça, onde esteve durante 13 anos. Regressou à terra em 2000. 

“Naquela altura havia muita gente aqui em Deilão. Éramos umas 70 pessoas”, lembra.

Hoje, são apenas quatro e todos os dias se cruzam. “É uma vida feliz e maravilhosa. Melhor para mim era ter uma mulher, uma companhia 24 horas por dia. Mal por mal é aqui que estou bem”, remata. 
 

Manuel António a varejar a azeitonar, em Deilão