“Apadrinha uma Oliveira”, o projeto que já recuperou mais de 65 hectares de olival em Abrantes
Corria o ano de 2021 quando encerrou no concelho de Abrantes a última central de produção de energia a carvão do país. Um momento histórico, mas que deixou para trás 150 postos de trabalho e marcas profundas na economia da região. À urgência em conseguir dar uma alternativa a estes trabalhadores juntou-se outra preocupação: a de combater os efeitos do êxodo rural, visíveis no abandono de terrenos e de património natural, como é o caso dos olivais. Da junção destas duas necessidades nasceu, em 2023, o projeto “Apadrinha uma Oliveira”.
“A ideia é preservar o olival tradicional, as nossas oliveiras centenárias, o nosso património natural e cultural. Toda esta paisagem que envolve o concelho de Abrantes acabou por ficar ao abandono ou porque as pessoas migraram para as grandes cidades à procura de outras oportunidades ou porque quem ficou são pessoas antigas que já não têm a capacidade de trabalhar a terra", explica Jéssica Oliveira, responsável pela comunicação do projeto, ao Conta Lá
Foi através de uma candidatura em parceria com a Endesa ao Fundo de Transição Justa - disponível para esta região como apoio face ao encerramento da central a carvão - que o projeto conseguiu ganhar impulso. Hoje, uma das principais premissas é a criação de emprego local, sempre com a prioridade na contratação de antigos trabalhadores da Central do Pego.

São maioritariamente os proprietários de olivais que procuram o projeto para “não deixar morrer” um legado de gerações.
“Muitas vezes os donos não têm capacidade física para tomar conta do olival ou de repente alguém herdou um olival e não tem vida cá, nem possibilidade de vir cá e tratar desse terreno. Então, como não é tratado, acaba por ficar abandonado, as oliveiras vão secando, vão morrendo e todo o valor que elas têm acaba por se perder. E aí são os proprietários que vêm aqui ter connosco e nos pedem ajuda”, admite Jéssica Oliveira.
E foi precisamente ajuda que veio pedir o casal Grácio, já lá vão dois anos. Herdeiros de terrenos familiares com cerca de três hectares de olival, na freguesia de Mouriscas, em Abrantes, viram-se incapazes, por força da idade, de cuidar de todo o património e vieram bater à porta do projeto.
“O meu marido era ferroviário, não percebe nada de agricultura, e eu tirei um curso de agricultura, mas as dores também não me deixam fazer nada, nem eu era capaz de tomar conta de um terreno destes”, explica Eminência Grácio ao Conta Lá, que admite que vender as propriedades “não estava dentro dos planos, porque todas têm uma história”.
"Então resolvemos entregar ao ‘Apadrinha uma Oliveira’ e estou muito satisfeita. Os olivais estão como quando os meus pais eram vivos e os arranjavam, estão limpos, a terra tratada”, sublinha. “E dá outro gozo ver a continuidade do olival, que depois haverá de passar para o meu filho”, acrescenta Eduardo Grácio.
Durante o ano, os proprietários apenas têm a responsabilidade de limpar o terreno – em muitos casos, contratando um tratorista para o fazer. O resto do trabalho fica a cargo do projeto, através de um contrato de cedência de 10 anos, período durante o qual cuidam dos olivais.
“Neste momento, temos seis pessoas a tempo inteiro a trabalhar, quatro delas estão ativamente nos olivais todos os dias. Nas alturas de campanha da azeitona ou noutras em que é necessário, fazemos contratações de trabalho temporário, sempre tentando ir buscar pessoas de cá e com prioridade para estes ex-trabalhadores da central”, explica Jéssica Oliveira.
Além de verem o terreno cuidado, no final de cada campanha da apanha da azeitona, os proprietários têm também direito a 10% da produção de azeite do seu olival. “Se o olival estiver em relativo bom estado, o proprietário recebe essa percentagem a partir do segundo ano, se estiver em mau estado recebe a partir do sexto ano”, clarifica a responsável de comunicação do projeto.

Com perto de 2.000 hectares de olival abandonado em toda a região de Abrantes, o equivalente “a cerca de 2800 campos de futebol”, o projeto “Apadrinha uma Oliveira” já conseguiu resgatar perto de 65 hectares. É aqui que pode entrar qualquer cidadão, através do apadrinhamento.
“Qualquer pessoa, em qualquer lado do mundo, pode apadrinhar uma oliveira. É tudo feito online, no nosso site (apadrinhaumaoliveira.org) pode ver o nosso catálogo de oliveiras e escolher aquela que mais lhe chama ao coração. A pessoa escolhe a oliveira, escolhe a modalidade de apadrinhamento – com 35 euros ou 60 euros - e pode visitá-la. Recebe também um certificado de apadrinhamento e depois vem a melhor parte que é no ano seguinte, ou depois da colheita, ter direito a um ou dois litros de azeite das nossas oliveiras recuperadas”, esclarece Jéssica Oliveira. “É um agradecimento pelo apoio que a pessoa está a dar ao apadrinhar uma oliveira”, acrescenta.
Com perto de 600 oliveiras apadrinhadas, todas as árvores são etiquetadas para não restar dúvidas de quem é o padrinho ou madrinha. “Todas têm um número, ou seja, o José apadrinhou a oliveira 20. Sabemos em que olival a oliveira 20 está, vamos lá, tiramos a foto em maio de um ano e depois no ano seguinte, quando há intervenção no terreno, limpeza ou apanha, vamos lá novamente, tiramos nova foto e conseguimos acompanhar a evolução desta oliveira”, explica.

Com mais de 4.500 oliveiras ainda à espera de serem apadrinhadas só no concelho de Abrantes, a intenção do projeto é de se conseguir expandir aos concelhos vizinhos, perante um aumento crescente de solicitações por parte dos proprietários de olivais.
Numa missão onde, além de se recuperar património natural, preservar a biodiversidade e estimular a criação de emprego, se promove também o desenvolvimento rural, o projeto tem ainda um importante papel na prevenção de incêndios.
“O facto de fazermos esta limpeza de terrenos, este controlo, faz a diferença. Por exemplo, este ano houve um incêndio na zona das Mouriscas e nota-se claramente a divisão entre onde ardeu e a entrada para o nosso terreno. Como o terreno estava limpo, acabou por criar uma barreira natural contra o incêndio”, recorda Jéssica Oliveira ao Conta Lá.

Com o futuro pela frente, outro dos objetivos do projeto é o de abrir as portas ao voluntariado para dar a conhecer uma tradição milenar, ao mesmo tempo que existe a expectativa de criar, pelo menos, 10 postos de trabalho até 2030.
Para já, com a chegada da época natalícia, a aposta faz-se na sensibilização para a preservação desta herança com o “Olival Iluminado”, onde “iluminamos simbolicamente as nossas oliveiras para alertar para a importância de preservar um legado milenar”.
