Portugal tem 800 mil casas sem saneamento. Alentejo tem o pior défice de cobertura
Apesar de ser o Norte a região com mais casas sem acesso a saneamento, no Alentejo, uma em cada cinco casas não está ligada à rede.
Quase 20% das casas existentes no Alentejo não têm acesso à rede de saneamento, o que equivale a mais de 97 mil habitações. O relatório da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) indica que, apesar de se ter registado uma melhoria na cobertura da rede entre 2020 e 2022, ainda há mais de 800 mil casas em Portugal continental onde o serviço não está disponível.
“É um valor muito elevado” que revela uma realidade “preocupante”, admite o geógrafo Paulo Miguel Madeira, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT). "Parte deste problema tem a ver com o facto de termos população mais ou menos concentrada em centros urbanos e, por outro lado, população mais dispersa pelas áreas rurais. Quando vamos para as áreas urbanas, devido à concentração dos alojamentos, é menos dispendioso criar a rede. Há o que se chama economia de escala e de aglomeração, e, portanto, consegue-se mais facilmente fornecer o serviço, ao contrário das zonas mais dispersas”, explica o geógrafo. “Depois também há, dependendo das regiões, topografias mais ou menos difíceis para estender a rede mesmo a pequenas povoações. Nalguns casos a topografia, no sentido do relevo, dificulta mais isso numas regiões do que noutras”, conclui.
Apesar de a situação ser crítica no Alentejo, em termos absolutos é a região Norte a que apresenta um maior número de habitações sem acesso à rede: são mais de 350 mil, o que representa 18,7% do total de alojamentos. “A região Norte tem quase quatro vezes o número de alojamentos da região do Alentejo. É isso que explica a diferença, apesar de a taxa de cobertura ser muito parecida”, detalha Paulo Miguel Madeira.
A região Centro tem mais de 276 mil casas (19,1% do total) sem acesso à rede. No Algarve, a rede de saneamento ainda não chega a mais de 60 mil casas (16,2% do total).
O relatório mostra que os grandes núcleos urbanos são os menos afetados. A Área Metropolitana de Lisboa é a sub-região que está mais bem servida em termos de saneamento, uma vez que apenas 2,8% das habitações (cerca de 41 mil) não têm o serviço disponível. Segue-se a Área Metropolitana do Porto, onde a rede não chega a 8% das casas (mais de 62 mil), e a região de Aveiro, que apresenta o terceiro défice de cobertura mais baixo - 9,4% das habitações (cerca de 18 mil).
Água, um bem ainda não universal
No que diz respeito ao sistema de distribuição e abastecimento de água, o mesmo documento revela um cenário muito menos gravoso: quase 273 mil casas ainda não apresentam ligação à rede pública.
O Norte tem o maior número de alojamentos, em termos absolutos, sem serviço disponível - mais de 133 mil (7% do total de alojamentos) -, mas é no Algarve e no Alentejo que os défices de cobertura são maiores. No Algarve, 9,5% das habitações (mais de 35 mil) não têm o serviço disponível e no Alentejo são 9,4% (mais de 46 mil). O Centro apresenta cerca de 52 mil habitações sem ligação, o que corresponde a 3,7% do total de alojamentos.
Mais uma vez, os núcleos urbanos apresentam os melhores indicadores, com a Área Metropolitana de Lisboa a destacar-se: apenas 0,3% das habitações (pouco mais de 5 mil casas) não têm acesso à rede pública de água.
Num horizonte previsível, “não parece que seja possível” pensar num país totalmente ligado às duas redes, acredita Paulo Miguel Madeira. “Na verdade, seria um investimento que, em certos casos, talvez não se justificasse”, na medida em que “existem soluções alternativas”.
Mais importante numa primeira fase, defende o geógrafo, seria o acesso a informação que permitisse conhecer a verdadeira dimensão do problema.
“Não temos muita noção de que alojamentos são estes. Isto é, são segundas habitações de pessoas que têm casas de campo, ou estão habitados?”, pergunta.
Até porque “tecnicamente não há nenhuma impossibilidade de ter dados por município. É um processo que tem os seus custos, que leva tempo, mas não é complicado. Não envolve fazer inquéritos ou amostragem. É uma informação que existe nos municípios, por exemplo, nos serviços municipalizados”, nota.