Do escritório à saúde, como a IA já está a transformar as nossas vidas

A Inteligência Artifical já é uma realidade e está a transformar diversos setores da sociedade e do mercado de trabalho. Nas próximas linhas, damos alguns exemplos de como a tecnologia já está a mudar as nossas vidas.
Regina Nunes
Regina Nunes Jornalista
04 dez. 2025, 06:00

Uma mão de um rôbo a apertar uma mão humana com um fundo azul
Fotografia: A Inteligência Artificial está a transformar a sociedade e o mercado de trabalho

A Inteligência Artifical está a gerar grandes mudanças, não apenas nas maiores empresas, mas em quase todos os setores da economia. A promessa de uma maior eficiência convive com o receio da substituição humana, mas a verdade é que o impacto já se sente no mercado português. 

Para Pedro Empis, Diretor Executivo da Randstad Portugal, a transformação é inevitável, profunda e até irreversível: “Parte da procura por trabalhadores já foi ‘temperada’ pela inteligência artificial. Há máquinas que fazem uma parte do trabalho e isso é ótimo”.

A IA está a automatizar tarefas repetitivas e monótonas, o que permite uma libertação dos profissionais para funções mais criativas: “Na logística, na indústria ou nos contact centers, já vemos tarefas que deixaram de precisar de supervisão humana direta e outras que exigem trabalhadores com competências tecnológicas intermédias”, explica.

Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos revela que quase um terço dos empregos em Portugal poderá desaparecer devido à automação e ao avanço da inteligência artificial, um risco que afeta sobretudo as profissões com menores qualificações e rendimentos mais baixos. A investigação analisou 120 profissões do setor privado, representando mais de três milhões de postos de trabalho.

A tendência atual, sublinha Pedro Empis, não é a perda de empregos, mas de requalificação de competências: “Não é simplesmente uma erosão de postos de trabalho. Também é uma requalificação: surgem novos perfis que têm de saber trabalhar com interfaces tecnológicos”.

E a diferença entre ficar para trás ou evoluir pode depender apenas de uma coisa: a capacidade de adaptação. “Há funções que vão desaparecer, é inevitável.” (…) “Estamos a viver uma mudança estrutural no mercado de trabalho. A IA vai exigir pessoas mais preparadas e com competências digitais.”
 

 

A IA já está a transformar a saúde


À semelhança de outras áreas, a chegada da IA na saúde foi discreta, mas inovadora. À primeira vista, “a maior parte de nós ainda não notou grandes diferenças”, reconhece Sérgio Laranjo, médico cardiologista pediátrico, professor e investigador na NOVA Medical School. 
 
É na imagiologia que o salto é mais evidente: “Quase todas as técnicas avançadas desde o Raio X, a TAC e a ressonância, já têm ferramentas de apoio com base em IA”. Em vários hospitais, públicos e privados, estes sistemas já ajudam na interpretação de exames e na deteção imediata de sinais compatíveis com fraturas ou outras alterações.
 
Mas as transformações não ficam por aqui. O médico descreve um segundo avanço em unidades hospitalares que já utilizam sistemas de transcrição automática. “IA Scribes”, como lhes chama, são pequenos microfones que “não guardam a informação, mas estão a ouvir e a transcrever toda a conversa entre o médico e o doente”, o que permite libertar o profissional de tarefas burocráticas e mais pesadas.
 
A grande pergunta, inevitável, é se tudo isto permitirá diagnósticos mais rápidos e precisos, mas o investigador não hesita ao afirmar que “o diagnóstico é um ato médico”. A IA, diz, não tem contexto, não conhece histórias de vida, nem subtilezas que se revelam “no antes de uma conversa”. O que faz, e muito bem, é processar padrões em grande escala, “nenhuma das inteligências artificiais é inteligente”, afirma.
 
“A Inteligência Artificial vai-nos servir como um copiloto clínico”, explica. “Não substitui a minha capacidade de raciocinar, mas adiciona uma segunda opinião rápida baseada na evidência”, explana. 
 
Ao contrário do que muitos imaginam, o maior perigo da IA na saúde não é técnico, é ético. “Um dos grandes dilemas é a parte dos vieses”, alerta. Algoritmos treinados com dados incompletos podem discriminar populações, oferecer diagnósticos piores, criar desigualdades onde a medicina tenta ultrapassa-las. 
 
“Há evidências de algoritmos, lá fora e na Europa, que discriminaram populações de origens africanas ou não branca (chamemos-lhe assim, sem qualquer conotação racial). Mas a verdade é que biologicamente há diferenças e essas diferenças biológicas fazem com que, ao serem discriminados por estas ferramentas, esses indivíduos estivessem a receber potencialmente piores cuidados, piores diagnósticos”, explica ao Conta Lá.

Ainda assim, o médico mostra-se otimista. Para ele, o futuro da medicina não será menos humano, aliás será o contrário. “Hoje, estou sentado atrás de um computador a emitir prescrições, pedidos, relatórios", afirma. Contudo, se a IA o libertar dessa tarefa “então 20 minutos de consulta são gastos com o doente e não com o computador, e isso permitir-me-á explicar, ouvir o doente e entender.”

Quando lhe perguntam se um dia veremos operações totalmente feitas por IA, o médico cardiologista recusa tanto o medo como a utopia. “Os robôs já existem. A IA com um operador humano já consegue obter resultados melhores do que tínhamos antes. Que consiga fazê-lo sozinho? Acho que a sociedade não está preparada para isso”.

A recetividade para integrar esta nova realidade divide-se, sobretudo, pelas gerações. “Os mais novos nasceram com tecnologia. Os mais velhos, muitos, não têm noção da magnitude do que está a acontecer”, defende Sérgio Laranjo. O grande desafio da saúde passará, assim, por uma formação que alie competências técnicas, éticas e regulamentares. 
 

As mudanças no setor agrícola


“Hoje, tudo tem inteligência artificial, até a agricultura.” A afirmação é de João Lopes, gerente das empresas Forte e Sagar, do Grupo Auto-Industrial, que há décadas acompanha o avanço tecnológico no setor. 

Para o empresário, a grande revolução já começou há muito: “A verdadeira viragem na agricultura foi o aparecimento do GPS, há cerca de vinte anos. Isso mudou tudo, a forma como se trabalha e como se planta.” Antes, recorda, era preciso um olho treinado para fazer as linhas direitas, planear a rega ou semear com perfeição. Agora, as máquinas fazem isso sozinhas, com erros de apenas cinco centímetros: “Quando tínhamos um erro de 20 centímetros numa linha, era ótimo. Hoje, se falarmos em 5 centímetros já é um problema".

Essa precisão trouxe ganhos de produtividade e sustentabilidade. “A rega é gota a gota, consome menos água e fornece exatamente a quantidade de que a planta precisa”, explica. “O ponto onde é posta a água tem que ser próximo da planta”, acrescenta. 

Mas há um contraste evidente entre quem tem acesso a essas tecnologias e quem não tem. “Temos cerca de 20% dos agricultores portugueses ao nível dos melhores do mundo. Quem não tiver tecnologia, não sobrevive”, diz.

“Há quarenta anos, um agricultor com vinte vacas e vinte hectares vivia bem. Hoje, com o mesmo, não ganha nem para comer. Precisa de trezentas vacas, precisa de dimensão para investir em máquinas que custam milhões”, afirma ao Conta Lá.

Numa vasta lista de setores onde a IA tem maior impacto, os media ocupam um lugar central. Nas redações, a tecnologia já é usada para automatizar tarefas como criar e transcrever legendas, gerar e editar imagens ou até apresentar informação de forma célere e eficaz.

Projetos como o Conta Lá tornaram-se um exemplo do futuro: foi o primeiro canal português a usar comentadores virtuais gerados por inteligência artificial. Um projeto inovador, desenvolvido em parceria com a Instinct to Innovate, que marcou a estreia desta tecnologia na televisão portuguesa. A discussão vai além do que é a novidade: o desafio está em usar a IA como aliada, sem perder a supervisão humana que marca o jornalismo. 

“Para os comentadores da noite eleitoral, fizemos uma análise de dados eleitorais, totalmente processada por IA. O algoritmo cruzou informação, criou relatórios, gerou o diálogo entre os avatares, tudo feito por inteligência artificial. Depois, claro, veio a supervisão humana. O jornalista é sempre o editor final”, afirma Nuno Ribeiro.